Qualquer passada de olho rápida por jornais que cobrem a área de Educação é suficiente para constatar que a maioria faz "cobertura de gabinete", como se diz no nas redações jornalísticas. Matérias em sua maioria feitas de dados estatísticos, de releases e de declarações de autoridades ou pesquisadores. Estudantes e professores só aparecem para ilustrar matérias, sem grande utilidade.
Uma proposta interessante foi a do jornal carioca "O dia", que se propunha a "ir para dentro das escolas" e "falar para professores, pais e alunos", como definiu Arnaldo César, um dos diretores executivos do jornal. Por isso, deixo a contribuição da entrevista concedida à revista "Mídia e Educação".
Entrevista com Arnaldo César, editor de "O Dia"
Conversando sobre Educação com Arnaldo César
Entrevista feita por Bárbara Pereira
O jornal carioca "O Dia" interrompeu, em agosto do ano passado, a edição do caderno de educação, que durante 4 anos serviu de fonte de informação para milhares de educadores do Rio de Janeiro. Todas às terças-feiras, mais de 300 mil exemplares chegavam às bancas com reportagens voltadas não só para professores, mas também para alunos e pais. Arnaldo César, um dos editores executivos do jornal, revela que a falta de patrocínio foi o principal motivo para a interrupção do suplemento, que era visto pelos leitores como "um caderno que ajudava a entender e educar os filhos", como revelou uma pesquisa do próprio veículo de comunicação. Segundo Arnaldo César, a direção do jornal está em busca de patrocinadores e espera retomar o projeto, mas ele prefere não fazer previsões.
Por que o caderno acabou ?
Arnaldo: O caderno não acabou, ele foi descontinuado. O custo dele ficava em torno de 100 mil reais. Isso, num ano, dá perto de 1,2 milhão. É um investimento pesado. Ele foi descontinuado porque, inicialmente, era um projeto auto-sustentável, quem patrocinava o caderno era a Petrobrás, depois foi a MultiRio. Só que ele foi concebido quando o preço do papel custava 380 dólares a tonelada. Hoje, o preço do papel está em torno de 680 dólares a tonelada. E a publicidade convencional dessa área - cursinhos e universidades - não cobre os custos de um caderno como esse, em tamanho tablóide, com 16 páginas e uma tiragem de 300 mil exemplares às terças-feiras. Era quase 1 milhão e meio de pessoas lendo o caderno. Então, a razão pela qual o caderno foi descontinuado é uma razão puramente de custos. Nós estamos buscando patrocinadores para poder partilhar esses custos por dois. Aí o caderno retorna da forma que era.
O Sr. acha que a educação precisa ter a sua própria editoria, assim como economia, política ou cidade ?
Arnaldo: O jornal tem essa visão. Nós temos uma editoria de educação. A equipe que fazia o caderno nunca foi desmontada, ela permanece. Obviamente que faz outras coisas, enquanto o caderno não é viabilizado economicamente. Você tem por parte da gestão do jornal a consciência de que educação é um assunto importante. A gente não faz um caderno puramente para ter uma receita financeira, a gente faz o caderno porque sabe que está agregando um assunto importante para o leitor. Mas da forma que ele era feito, porque da forma como se cobre educação hoje no país o leitor não se interessa.
Por que ?
Arnaldo: Vamos analisar os jornais que têm editorias de educação mais consolidadas, como Folha de São Paulo, por exemplo. Um jornal que tem uma continuidade no tratamento nos assuntos de educação. Todos os assuntos ali dizem respeito ao Ministro, à secretária de educação. Fazem um jornalismo de educação puramente de gabinete. São as grandes resoluções do ministério. Ontem, por exemplo, qual foi a principal notícia de educação no Brasil, que ocupou meia página de todos os jornais ? Era se iriam cassar ou não as universidades. Eu acho que esse tipo de informação não interessa ao leitor de "O Dia". Quando nós criamos o caderno de educação, a concepção era em cima da demanda do leitor, ou seja, nós sabemos que os nossos leitores, que são de classe média baixa, vêem na educação um instrumento de alavanca social. Então, montamos um caderno que falasse para o estudante, para o pai e para o professor. Nos importávamos muito pouco com o que acontecia em função das grandes resoluções do MEC. A gente ia para dentro das escolas, mostrar a realidade, com um forte propósito de dizer aos pais o seguinte: se você não cuidar da escola do seu filho, você não vai conseguir alavancá-lo socialmente, porque só com a participação dos pais nos conselhos escolares, por exemplo, você consegue cobrar da escola resultados e qualidade. E para os professores, a gente tinha o discurso da qualificação. Mostrávamos que não adianta o professor ficar sentado no meio-fio reclamando dos baixos salários, que o mundo não gosta de dele ou que o mundo é uma tragédia. Ele tem que, apesar de tudo, tentar se qualificar, porque há uma demanda por qualidade de educação. E aí a gente tinha a última página do caderno sempre com um debate, uma entrevista de perguntas e respostas com pedagogos, não só aqui do Brasil, mas do mundo todo.
A forma como o país educa a sua população é ou não assunto para o jornal ?
Arnaldo: É assunto. Mas desde que tratado com o enfoque certo. A gente sempre tentou saber quais eram as demandas dos pais e dos alunos ? Essas demandas estão sendo atendidas pela política do município, que tem uma política própria de educação ? Ou do governo do estado ? Ou do governo federal ? A gente sempre fez esse contraponto. E uma das razões pelas quais o caderno tinha dificuldades de conseguir publicidade convencional (cursinhos, pré-vestibulares.) é porque ele sempre teve uma postura crítica. Procurávamos tratar os assuntos com uma visão crítica. Os repórteres que nós formamos no caderno foram treinados para isso. Por exemplo: o caderno era totalmente contra vestibular, discutíamos isso e discuto até hoje com a equipe. A gente sempre se posicionou contra. Obviamente, quando você tem essa postura, o cursinho, que é um grande anunciante, não vem para o caderno.
Então vocês acham que é possível cobrir a política educacional , ou seja, o que é ensinado nas escolas, a partir de quem precisa dela ?
Arnaldo: É. Tanto é que o editor do caderno, o Antonio Góis, começou comigo quando a gente criou o projeto e foi chamado pela Folha de São Paulo porque o jornal queria ter uma visão que não fosse de gabinete. Ele foi para lá para cobrir educação sob um outro prisma.
De um modo geral, os jornais não têm uma editoria específica para cobrir educação. E quem acaba cobrindo é o pessoal da geral, que muitas vezes, desconhece o lado conceitual da educação, as políticas educacionais.
Você acha necessário a existência de um profissional especializado no assunto?
Arnaldo: Eu sou contra a especialização. Por várias razões, inclusive pela forma com que o jornalismo moderno está caminhando. Hoje você é multimídia. É mais do que você ser um jornalista que saiba de política, esporte, educação, economia. Você tem que saber manipular todas as mídias ao mesmo tempo. A tendência é muito mais aberta. Agora, no caso da educação, especificamente, a gente montou uma equipe pequena, e como tínhamos que buscar histórias qualificadas, com um alto grau de exclusividade e de novidade, não podíamos ficar com esse repórter trabalhando na geral ou no esporte. Nós queríamos também que os nossos repórteres entendessem do que eles estavam falando. Só assim você ganha credibilidade junto aos leitores.
Então, pelo que você está me dizendo, é necessário ter, não diria uma especialização, mas uma formação diferenciada para esse profissional que cobre educação ?
Ah não, você tem que ter . Esse repórter tem que conhecer as fontes, tem que saber quem são as pessoas que geram informação. Tanto lá na base, quanto em cima. Nós fomos chamados várias vezes para entrevistar o Ministro da educação.
A Dona Ruth Cardoso, que não gosta de dar entrevistas, escreveu vários textos para esse caderno. Então, é preciso ter repórteres circulando, conversando, falando com todo mundo o tempo todo. Nesse caso, você tem que ter uma pessoa cuidando daquele assunto. Agora, o que eu não gostava e não deixava acontecer no caderno era a especialização da especialização. O que é isso ? Um repórter que só sabe falar da educação no Rio de Janeiro. Então, eu tinha o cuidado de passar pautas distribuindo as pessoas para que elas circulassem pelas várias áreas da educação. Uma semana ele falava com uma diretora de escola lá em Porciúncula (Rio de Janeiro), na outra ele ia a Brasília, depois ia cobrir universidade, conversar com um educador importante na Unicamp ou numa universidade no Rio de Janeiro. A idéia era estar sempre conectada com a ponta do conhecimento na área de pedagogia.
Muitos jornalistas reclamam da dificuldade de diálogo com os especialistas em educação. Dizem que, muitas vezes, encontram resistências por parte deles para traduzir conceitos acadêmicos, por exemplo. Você acha que existe dificuldade de diálogo entre as áreas de educação e comunicação ?
Arnaldo: A gente enfrentou isso um pouco, mas sempre houve boa vontade dos educadores para traduzir conceitos. Não sei se pelo jeito do caderno, mas sempre houve boa vontade de um cientista da educação em transformar aquilo que ele pensava, que ele elaborava numa coisa palatável para os leitores. O repórter já chegava dizendo que precisávamos transformar a teoria em algo assimilável, porque nós não falamos para intelectuais. Nós tivemos problemas com a comunidade acadêmica mais pelas críticas. Fizemos várias matérias, por exemplo, analisando universidades do Rio de Janeiro, questionávamos por que essas universidades não tinham programas de interação com a comunidade onde elas estavam instaladas? Achávamos que a UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) faz muito pouco por ser uma universidade estadual, a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) nem se fala... Então, quando a gente fazia esse tipo de matéria, eles reagiam. Mas quando você ia atrás deles para buscar o conhecimento, para traduzir aquilo de forma que o pai, o aluno e o professor entendessem, sempre houve boa vontade.
Depois da experiência que vocês tiveram, e que pretendem retomar, como você define, então, um bom caderno de educação ?
Arnaldo: A formula é esse tripé: pai, aluno e professor. Para o aluno, você precisa dizer o tempo todo que ele precisa estudar, porque senão ele vai ficar fora do processo, no qual as pessoas valem muito mais pelo que sabem. Para o pai dizendo o seguinte: se você quer que seu filho seja alguém na vida, cuide da educação dele, mas não é cuidar vendo o boletim, o dever ou se foi para a escola. Tem que ir para dentro da escola. O FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério -, por exemplo, tem conselhos municipais e até locais para controlar o dinheiro destinado à educação. E para os professores e diretores é a capacitação. Se o aluno está demandando novos conhecimentos, os professores precisam se aprimorar para poder oferecer uma educação de qualidade. A nossa fórmula foi bem sucedida por isso, tanto que foi reconhecida. Ganhou vários prêmios como o da fundação Ayrton Senna. Antes de fazer o caderno, fui conversar com as pessoas que cuidam desse assunto e que são minhas fontes. Peguei essa filosofia do tripé rapidamente. Quando o caderno parou, houve um encontro na concha acústica da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) com seis mil professores e todos assinaram um manifesto reclamando de o caderno ter descontinuado. Isso é importante, porque o caderno acabou virando um instrumento para o professor. Era um veículo de informação e uma ferramenta de trabalho para ele. Nós não fazíamos nada do que os outros cadernos de educação fazem, como por exemplo, colocar dentro do suplemento uma folha para o aluno colorir, fazer desenho. Isso a gente não fazia. Quando lançamos os cadernos muitas pessoas disseram que não ia dar certo porque não tinha apelo nenhum para a criança.
E as políticas como por exemplo, a reforma do ensino médio os parâmetros curriculares nacionais ? Onde entram ?
Arnaldo: A questão da repetência, por exemplo, é um indicador pelo qual o ensino do estado do Rio de Janeiro está muito mal avaliado. Nós fizemos várias capas sobre a questão da repetência. Uma das capas era enfocada para o professor, mostrando que a repetência também é um sinal de que o professor não foi bem, não é só o aluno. E aí fizemos uma discussão, dicas para tratar dessa questão, o que é preciso ler, quem são as pessoas que escrevem e pensam sobre isso. Depois fizemos a repetência sobre o enfoque do pai, como que mexe com o filho que repetiu o ano? Como se trata dessa questão ?
Tem alguma previsão para o retorno do caderno ?
Arnaldo: Eu tenho me esforçado muito para fazer o caderno voltar. Mas isso é uma questão econômica complicada. Não adianta eu falar que "O Dia" tem um compromisso com a sociedade. A filosofia implantada, não só aqui mas em todos os jornais economicamente bem sucedidos, diz que tudo tem que ter retorno. Estou trabalhando num caminho que pode me levar a um resultado concreto, que é encontrar parceiros para fazer o caderno da forma que ele era feito.
14 de jun. de 2007
Educação de gabinete
Qualquer passada de olho rápida por jornais que cobrem a área de Educação é suficiente para constatar que a maioria faz "cobertura de gabinete", como se diz no nas redações jornalísticas. Matérias em sua maioria feitas de dados estatísticos, de releases e de declarações de autoridades ou pesquisadores. Estudantes e professores só aparecem para ilustrar matérias, sem grande utilidade.
Uma proposta interessante foi a do jornal carioca "O dia", que se propunha a "ir para dentro das escolas" e "falar para professores, pais e alunos", como definiu Arnaldo César, um dos diretores executivos do jornal. Por isso, deixo a contribuição da entrevista concedida à revista "Mídia e Educação".
Entrevista com Arnaldo César, editor de "O Dia"
Assinar:
Postar comentários (Atom)
0 comentários:
Postar um comentário